sexta-feira, 29 de maio de 2009

Criminalização das lideranças indígenas de Pernambuco já foi denunciada à OEA


"Cacique do povo Xukuru é
condenado antes de depoimento
de suas testemunhas de defesa

A Justiça Federal em Pernambuco condenou o cacique Marcos Luidson, do povo Xukuru, a 10 anos e quatro meses de prisão. A sentença foi publicada no dia 21 de maio, apesar do depoimento de uma testemunha de defesa de Marcos, o deputado federal Fernando Ferro (PT/PE) estar marcado para amanhã (28 de maio) em Brasília. Marcos foi condenado na ação que trata de um conflito ocorrido em 2003, dentro da terra Xukuru, agreste de Pernambuco.

Além do cacique, os indígenas Paulo Ferreira Leite, Armando Bezerra Coelho, Rinaldo Feitosa Vieira e Ronaldo Jorge de Melo foram condenados a quatro anos e oito meses de reclusão. Outros 26 Xukuru já haviam sido condenados, em janeiro de 2009, também acusados de participar do mesmo conflito. Os advogados dos indígenas recorreram da decisão ao Tribunal Regional Federal (TRF) da 5ª Região, em Recife. Os Xukuru aguardam o julgamento do TRF em liberdade, exceto Rinaldo Vieira, que está preso desde 2008 acusado, sem provas, de envolvimento num assassinato.

A prisão de Rinaldo e a condenação dos 31 Xukuru são a expressão do processo de criminalização que o povo enfrenta há mais de uma década, por causa da reconquista da terra. Atualmente, pelo menos 43 Xukuru estão sendo processados; dois estão presos; 31 foram condenados e os outros dez aguardam julgamento. Os interesses de elites políticas e econômicas da região estão por trás da tentativa de desestruturar os Xukuru, por meio da criminalização de suas lideranças.. Esse processo foi denunciado, em março de 2009, à Organização dos Estados Americanos (OEA).

Julgamento questionado
No dia 7 de fevereiro de 2003, José Lourival Frazão (Louro Frazão), indígena Xukuru, assassinou dois jovens indígenas, Josenilson José dos Santos (Nilsinho) e José Adenilson Barbosa da Silva (Nilson), durante um atentado contra o cacique Marcos Xukuru, que conseguiu escapar. Naquele dia, a comunidade, indignada com o crime, se voltou, incontrolada, contra um grupo de famílias Xukuru ligadas ao assassino - todos aliados dos antigos invasores da terra indígena.

A investigação e o processo judicial sobre esse conflito foram questionados por antropólogos e entidades de defesa dos Direitos Humanos de Pernambuco. Os advogados de defesa dos Xukuru questionam o cerceamento de direito de defesa e o tamanho das penas, considerado exagerado. No caso da condenação do cacique Marcos Xukuru, a sentença foi publicada antes de se juntar ao processo os depoimentos de importantes testemunhas de defesa: o deputado federal Fernando Ferro e a Sub-procuradora Geral da República Raquel Dodge.

Marcy Picanço
Cimi - Assessoria de Comunicação
cimi.org.br

quinta-feira, 14 de maio de 2009

Soneto do gato morto


Um gato vivo é qualquer coisa linda
Nada existe com mais serenidade
Mesmo parado ele caminha ainda
As selvas sinuosas da saudade

De ter sido feroz. À sua vinda
Altas correntes de eletricidade
Rompem do ar as lâminas em cinza
Numa silenciosa tempestade.

Por isso ele está sempre a rir de cada
Um de nós, e a morrer perde o veludo
Fica torpe, ao avesso, opaco, torto

Acaba, é o antigato; porque nada
Nada parece mais com o fim de tudo
Que um gato morto.

Vina

Florença, 11.1963

terça-feira, 12 de maio de 2009

Desculpem a moléstia


Caros Companheiros posto aqui este maravilhoso texto do mestre Eduardo Galeano extraído do site de Carta Maior para leitura e reflexão de todos(as)! Abraço e boa semana de lutas a todos(as).

Por Eduardo Galeano

Quero compartilhar com vocês algumas perguntas, moscas que zumbem na minha cabeça:

O sapatista do Iraque, o que jogou os sapatos contra Bush, foi condenado a três anos de prisão. Não merecia, na verdade, uma condecoração?

Quem é o terrorista? O sapatista ou o sapateado? Não é culpado de terrorismo o serial killer que, mentindo, inventou a guerra do Iraque, assassinou a um montão de gente, legalizou a tortura e mandou aplicá-la?

São culpados os habitantes de Atenco, no México, ou os indígenas mapuches do Chile, ou os kekchies da Guatemala, ou os camponeses sem terra do Brasil, todos acusados de terrorismo por defenderem seu direito à terra? Se sagrada é a terra, mesmo se a lei não o diga, não são sagrados também os que a defendem?

Segundo a revista Foreign Policy, a Somália é o lugar mais perigoso do mundo. Mas quem são os piratas? Os mortos de fome que assaltam navios ou os especuladores de Wall Street, que há anos assaltam o mundo e agora recebem multimilionárias recompensas por suas atividades?

Porque o mundo premia os que o saqueiam?

Por que a justiça é cega de um único olho? Wal Mart, a empresa mais poderosa de todas, proíbe os sindicatos. McDonald’s, também. Por que estas empresa violam, com delinqüente impunidade, a lei internacional? Será que é por que no mundo do nosso tempo o trabalho vale menos do que o lixo e valem menos ainda os direitos dos trabalhadores?

Quem são os justos e quem são os injustos? Se a justiça internacional realmente existe, por que não julga nunca aos poderosos? Não são presos os autores dos mais ferozes massacres? Será que é porque são eles que têm as chaves das prisões?

Por que são intocáveis as cinco potências que tem direito de veto nas Nações Unidas? Esse direito tem origem divina? Velam pela paz os que fazem o negócio da guerra? É justo que a paz mundial esteja a cargo das cinco potências que são as cinco principais produtoras de armas? Sem desprezar os narcotraficantes, este também não é um caso de “crime organizado”?

Mas não demandam castigo contra os senhores do mundo os clamores dos que exigem, em todos os lugares, a pena de morte. Só faltava isso. Os clamores clamam contra os assassinos que usam navalhas, não contra os que usam mísseis.

E a gente se pergunta: já que esses justiceiros estão tão loucos de vontade de matar, por que não exigem a pena de morte contra a injustiça social? É justo um mundo em que a cada minuto destina três milhões de dólares aos gastos militares, enquanto a cada minuto morrem quinze crianças por fome ou doença curável? Contra quem se arma, até os dentes, a chamada comunidade internacional? Contra a pobreza ou contra os pobres?

Por que os adeptos fervorosos da pena de morte não exigem a pena de morte contra os valores da sociedade de consumo, que cotidianamente atentam contra a segurança pública? Ou por acaso não convida ao crime o bombardeio de publicidade que aturde a milhões e milhões de jovens desempregados ou mal pagos, repetindo para eles dia e noite que ser é ter, ter um automóvel, ter sapatos de marca, ter, ter, e que, quem não tem, não é?

E por que não se implanta a pena de morte contra a pena de morte? O mundo está organizado a serviço da morte. Ou não fabrica a morte a industria militar, que devora a maior parte dos nossos recursos e boa parte das nossas energias? Os senhores do mundo só condenam a violência quando são outros os que a exercem. E este monopólio da violência se traduz em um fato inexplicável para os extraterrestres e também insuportável para os terrestres que ainda queremos, contra toda evidência, sobreviver: os humanos somos os únicos especializados no extermínio mútuo e desenvolvemos uma tecnologia da destruição que está aniquilando, de passagem, ao planeta e a todos os seus habitantes.

Esta tecnologia se alimenta do medo. É o medo que fabrica os inimigos que justificam o desperdício militar e policial. E em vias de implantar a pena de morte, que tal se condenamos à morte o medo? Não seria saudável acabar com essa ditadura universal dos assustadores profissionais? Os semeadores de pânico nos condenam à solidão, nos proíbem a solidariedade: salve-se quem puder, destruam-se uns aos outros, o próximo é sempre um perigo que se aproxima, olho, cuidado, esse cara vai te roubar, aquele vai te violar, este carrinho de nenê esconde bomba muçulmana e se essa mulher te olha, essa vizinha de aspecto inocente, certamente vai te contagiar com a gripe suína.

No mundo de cabeça para baixo, dão medo até os mais elementares atos de justiça e de bom senso. Quando o presidente Evo Morales começou a refundação da Bolívia, para que esse país de maioria indígena, deixasse de ter vergonha de olhar no espelho, provocou pânico. Este desafio era catastrófico do ponto de vista da ordem racista tradicional, que dizia que era a unida ordem possível. Evo era, trazia o caos e a violência e por sua culpa a unidade nacional ia explodir em pedaços. E quando o presidente equatoriano Rafael Correa anunciou que se negava a pagar as dívidas não legítimas, a noticia produziu terror no mundo financeiro e o Equador foi ameaçado com terríveis castigos, por estar dando um tão mau exemplo. Se as ditaduras militares e os políticos ladrões foram sempre mimados pelos bancos internacionais, não nos acostumamos já a aceitar como fatalidade do destino que o povo pague o garrote que o golpeia e a cobiça que o saqueia?

Mas será que se divorciaram para sempre o bom senso e a justiça? Não nasceram para andar juntos, bem pegadinhos, o bom senso e a justiça?
Não é de bom senso, e também de justiça, esse lema das feministas que dizem que se nós, os machos, ficássemos grávidos, o aborto seria livre? Por que não se legaliza o direito ao aborto? Será por que então deixaria de ser o privilegio das mulheres que podem pagá-lo e dos médicos que podem cobrá-lo?

O mesmo acontece com outro escandaloso caso de negação da justiça e do bom senso: por que não se legalizam as drogas? Por acaso não se trata, como no caso do aborto, uma questão de saúde publica? E o país que tem mais drogados, que autoridade moral tem, que autoridade moral tem para condenar os que abastecem sua demanda? E por que os grandes meios de comunicação, tão consagrados à guerra contra o flagelo da droga, não dizem nunca que provém do Afeganistão quase toda a heroína que se consome no mundo? Quem manda no Afeganistão? Não é esse um país ocupado militarmente pelo pais messiânico que se atribui a missão de salvar a todos nós?

Por que não se legalizam as drogas pura e simplesmente? Não será por que elas dão o melhor pretexto para as invasões militares, além de brindar os mais suculentos lucros aos bancos que de noite trabalham como lavanderias?

Agora o mundo está triste porque se vendem menos carros. Uma das conseqüências da crise mundial é a queda da próspera indústria automobilística. Se tivéssemos algum resto de bom senso e um pouquinho de sentido de justiça, não teríamos que celebrar essa boa noticia? Ou por acaso a diminuição de automóveis não é uma boa noticia, do ponto de vista da natureza, que estará um pouquinho menos envenenada e dos pedestres, que morrerão um pouco menos?

Segundo Lewis Carroll, a Rainha explicou a Alice como funciona a justiça no país das maravilhas:

- Ai você tem – disse a Rainha. Está presa cumprindo sua condenação, mas o processo só vai começar na segunda-feira. E, claro, o crime será cometido no final.

Em El Salvador, o arcebispo Oscar Arnulfo Romero comprovou que a justiça, como a serpente, só morde os descalços. Ele morreu baleado, por denunciar que no seu país os descalços nasciam condenados de antemão, pelo delito de nascimento.

O resultado das recentes eleições em El Salvador não é de alguma forma uma homenagem? Uma homenagem ao arcebispo Romero e aos milhares que como ele morreram lutando por uma justiça justa no reino da injustiça?
Às vezes acabam mal as historias da História, mas ela, a História, não acaba. Quando diz adeus, está dizendo até logo.

Tradução: Emir Sader
Publicado no site Carta Maior

terça-feira, 5 de maio de 2009

O novo Enem e a democratização do ensino superior


Por Gabriel Magno e
Rafael Chagas

A democratização do acesso à universidade pública é uma bandeira histórica defendida pelos movimentos sociais. O Ministério da Educação no dia 8 de abril lançou uma proposta de criação de um novo exame nacional de avaliação do ensino médio (ENEM), e de um sistema de seleção unificada para o ensino superior. As instituições de ensino superior tem autonomia para decidirem se querem aderir ao novo sistema. Esta proposta de acabar com o vestibular que temos hoje como forma de acesso por si só não democratiza o acesso a universidade, mas certamente avança muito neste sentido. Essa medida deve vir acompanhada com o aumento de verbas para as universidades, com uma política de assistência estudantil, e principalmente com a melhoria dos ensinos fundamental e médio públicos.
A proposta do MEC de unificar o acesso às universidades públicas e particulares através do ENEM, que será reformulado, traz uma discussão importante para dentro das universidades de disputa de projeto de sociedade, no sentido que traz mudanças significativas no acesso ao ensino superior e na política de permanência estudantil.
Sempre defendemos uma nova forma de acesso e entrada nas universidades brasileiras. Isso sempre fez parte de um projeto de sociedade justa e libertária. A construção de uma Universidade Democrática e Popular também passa por democratizar e ampliar o acesso a ela. E na medida que se amplia o acesso, e a democratiza, maior se torna a necessidade de garantir a permanência do e da estudante na universidade. Políticas de assistência estudantil se tornam fundamentais para garantir a construção dessa universidade. Para isso é necessário a garantia de recursos para assistência com rubrica específica.
Do ponto de vista do acesso, a proposta amplia e democratiza a entrada dos e das estudantes no ensino supeior. A proposta do novo ENEM prevê uma mudança radical dos critérios de avaliação cobrado para entrada no ensino superior. Saímos de uma avaliação conteudista, que não valoriza a capacidade de interpretação da juventude e que não respeita os parâmetros curriculares nacionais dos ensinos fundamental e médio. A forma de vestibular que temos favorece a lógica de mercado da educação com a propagação exponencial dos cursinhos pré-vestibulares, que priorizam a decoreba de fórmulas e regras que não fazem o menor sentido para a realidade de nossa juventude. Defendemos uma forma de avaliação que valoriza a interpretação, a leitura, o raciocínio lógico e a análise do conteúdo aplicado a sua realidade e temas que cercam nosso cotidiano.
Um ponto importante de se destacar é que o desempenho dos e das estudantes nas escolas públicas no ENEM é igual ou superior aos dos/das estudantes nas escolas particulares. Isso inverte a lógica dos vestibulares tradicionais conteudísticos que por sua natureza geram desigualdades de participação, onde prevalece a lógica financeira (condições de pagar um cursinho pré-vestibular, uma escola particular que não tem compromisso com uma educação emancipadora, mas apenas focada em um treinamento para fazer uma prova).
Mas para superar de vez a lógica dos cursinhos pré-vestibular é preciso mais que mudar o conteúdo das provas. É necessário o estabelecimento de uma avaliação seriada, que os estudantes sejam avaliados nos 3 anos do ensino médio e não somente no último ano com apenas uma prova.
Outro fator importante é que esta proposta caminha no sentido da construção de um sistema nacional de educação. As universidades teriam um instrumento único de ingresso e o ensino médio no Brasil teria que unificar seus currículos e as matérias oferecidas, eliminando as barreiras regionais hoje existentes no nosso sistema educacional. Um/uma estudante que tem que mudar de cidade, região ou estado sente na pele essas discrepâncias de não termos uma política nacional de educação, ou de uma educação voltada apenas para as provas de vestibulares de cada estado e região, e não por uma educação emancipadora. Por isso será fundamental que esta discussão seja feita na Conferência Nacional de Educação em que a pauta central será a formação de um sistema nacional articulado de educação.
Essas mudanças de estrutura no acesso permitem uma maior entrada de estudantes das nossas escolas públicas e de jovens oriundos das classes populares. no ensino supeirior. Outra mudança importante na estrutura hoje da demografia das universidades é a possibilidade de maior mobilidade. Atualmente, um dado assustador é que apenas 1% dos/das estudantes universitários/as saíram de sua cidade natal para frequentar um curso superior. Isso indica que se um jovem nasce em uma cidade/região que não possua uma universidade ou faculdade, ele não tem condições de ingressar em um curso superior.
Essa maior entrada de estudantes das classes populares e numa maior mobilidade estudantil traz a tona a importante discussão da assistência estudantil. O MEC junto com a proposta de reformulação do ENEM, garante para as universidades que aderirem à proposta um acréscimo na rubrica específica para assistência estudantil de R$ 200 milhões por ano. É um avanço, porém ainda insuficiente para as atuais demandas existentes e para as novas que serão criadas com a maior mobilidade estudantil. É tarefa da UNE ir para rua e fazer a disputa para garantir o aumento da rubrica específica de assistência estudantil.
A UNE cumpre um papel importante na luta por uma educação pública, gratuita e de qualidade, socialmente referenciada., e cabe a ela , numa situação importante para os rumos da educação no país ,ser protagonista dessa transformação. Ir para as ruas e fazer a disputa do projeto da reforma universitária, por uma Universidade Democrática e Popular, faz parte do papel histórico que a União Nacional dos Estudantes tem que cumprir. Cabe a UNE fazer sim a defesa do projeto do novo ENEM, pois garante um avanço nas políticas de inclusão e democratização no ensino superior, mas que aponte mudanças e avanços, como na ampliação da rubrica específica para assistência estudantil, já que acesso e permanência devem estar. É fundamental também que a UNE exija sua participação no conselho de reformulação do novo ENEM. Temos que ser protagonistas dessa transformação.

Gabriel Magno é coordenador de Formação da JPT-DF e professor de Educação Básica
Rafael Chagas é diretor de Políticas Educacionais da UNE
Publicado no site do PT www.pt.org.br